Por
tudo que significa para a luta dos homossexuais por direitos iguais, o primeiro
beijo entre dois homens no programa mais assistido na TV brasileira tem, de
fato, valor histórico. “Amor à Vida” será lembrada por ter dado este passo, mas
isso não desobriga o crítico de lembrar dos muitos problemas que a novela
apresentou.
Em
sua primeira incursão no horário das 21h, Walcyr Carrasco fez uma aposta maior
no impacto que causaria sobre a audiência do que na história em si. Notei este
problema depois de ver os cinco primeiros capítulos.
Na
ocasião, observei que, entre as ousadias e bizarrices exibidas, além das
nítidas influências externas, “Amor à Vida” corria o risco de gerar uma
espécie de X-Tudo, um sanduíche com tantos ingredientes que mal se percebe
o seu gosto.
Houve
quem se desse ao trabalho de contar quantos temas polêmicos ou
barulhentos foram levantados ao longo dos 211 capítulos. O número chega a 30,
incluindo obesidade, virgindade, autismo, alcoolismo, diferentes doenças
(câncer, lúpus, aids), incesto, transtorno obsessivo-compulsivo, amor entre
árabes e judeus, namoro de mulher mais velha do que o homem, assédio moral etc.
Vendo
a forma como estes temas entraram, passaram e foram esquecidos pela novela, é
difícil acreditar que Carrasco estivesse seriamente interessado em discutir
qualquer um deles. Por este motivo, entendo que o X-Tudo de “Amor à Vida” se
destinava mais a fazer barulho e causar polêmica do que à história
propriamente.
Também
me pareceu típico desta opção o tom exagerado, próximo do grotesco, que o autor
usou na descrição dos mais variados conflitos. Cenas de brigas à mesa e de
tapas na cara entre personagens foram mais comuns do que de beijo na boca.
Entendi essa linha da novela como uma adesão ao dramalhão mais rasgado, em
estilo que lembra o exagero das novelas mexicanas.
Igualmente,
achei incômodo o fato de o texto de “Amor à Vida'' ter apresentado os níveis
mais altos de didatismo que vi na televisão nos últimos tempos. Os bons índices
de audiência, superiores aos da trama anterior, “Salve Jorge'', sugerem que a
opção não foi um problema –talvez tenha sido uma solução.
Como escrevi
antes, todas as situações dramáticas, os conflitos e dificuldades enfrentados
pelos personagens foram sempre explicados tim-tim por tim-tim pelo autor.
Muitas cenas pareciam ditas em ritmo de jogral de escola, uma maneira de
garantir que o espectador não tivesse nenhuma dúvida. A rigor, não precisava
nem pensar.
Concordo
com Carrasco que, na vida, todas as pessoas enfrentam reviravoltas, mas em
“Amor à Vida” o ritmo de algumas mudanças foi vertiginoso demais, além de
incompreensível. O personagem Ninho (Juliano Cazarré), que apelidei “7
Faces”, foi o exemplo maior, mas não único, de figuras incoerentes e
bizarras na novela. Não à toa, tantos atores criticaram ou reclamaram
publicamente do rumo que seus personagens tiveram.
A
principal novidade de “Amor à Vida” talvez tenha sido colocar como protagonista
um personagem abertamente gay e malévolo. Apesar da interpretação muitas vezes
caricata, Felix (Mateus Solano) foi das poucas figuras que fugiram do lugar
comum.
Os diversos problemas que enfrentou ou causou fizeram pensar e
mobilizaram o público.
Mas
o pulo do gato da novela foi acidental. Carrasco atirou em todas as direções e
acertou só no que não previu, ao notar que o público simpatizava com a “bicha
má”. Habilmente, ele fez dois movimentos. Primeiro, providenciou a redenção
improvável (e inverossímil) de Felix.
Depois, o aproximou de um dos poucos
personagens bons da história, Niko (Tiago Fragoso).
Ao
unir o novo Felix, vilão arrependido com pose de super-herói, com o bondoso
Niko, pai de duas crianças, o autor teve a oportunidade de criar um casal gay
diferente, em tudo simpático. O beijo final apenas coroou este acerto.
Alguns
breves comentários sobre o elenco. O Cesar de Antonio Fagundes foi um dos
poucos personagens de fato complexos, com qualidades e defeitos, contradições e
dilemas. Experiente, o ator saiu-se muito bem, até a reviravolta, que o
transformou num idiota, cegamente apaixonado pela vilã Aline (Vanessa Giácomo).
Grandes
atores, como Natalia Thimberg e Ary Fontoura, e mesmo Susana Viera, foram mal
aproveitados. José Wilker e Francisco Cuoco, coitados, ganharam personagens
ridículos.
Entendo
o sucesso de Mateus Solano, mas acho que, na caracterização de Felix como
vilão, o ator reproduziu inúmeros clichês. Ainda assim, Solano merece crédito
por ter tornado o personagem crível, apesar dos absurdos que disse e fez nos
primeiros dois terços da novela.
Uma
palavra sobre duas atrizes que fizeram muito sucesso ao longo da história,
Elizabeth Savalla e Tatá Werneck. A primeira foi, na minha opinião, o maior
destaque de “Amor à Vida”. A atriz conseguiu transformar uma personagem má, que
passou quase duas centenas de capítulos forçando a filha a encontrar um marido
rico, em uma figura calorosa e bem-humorada. Já a segunda, em sua estreia em
novelas, apostou fundo na caricatura, o que não me agrada, mas funcionou por
conta do seu grande talento.
Por
fim, uma observação a título de transparência. Em dezembro, Walcyr Carrasco me
acusou ter algum tipo de problema pessoal com ele por conta de textos que
escrevi sobre a novela. Quem acompanha este blog, desde janeiro de 2010 no UOL,
pode atestar que o rigor dedicado a “Amor à Vida” não foi novidade nenhuma.
Blog do Mauricio Stycer
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