Ainda assim, a comparação entre os quinzes é inevitável na voz do sertanejo que pinça da memória qualquer história ouvida dos pais ou avós sobre aquele tempo. De tão grande, uma dor de ausência deixou 1915 para povoar o imaginário e virar comparação para as secas seguintes.
Há quem diga que secura como a de hoje nunca viu. Até os olhos d’água que esperançavam os retirantes findaram, e mesmo as ações de convivência com a estiagem esbarram na devastação e nas mudanças climáticas. O verbo do sertão em tempo de seca continua o mesmo de cem anos atrás: escapar. Da fome, da falta de políticas efetivas, da invisibilidade.
A Seca do Quinze ganhou projeção na literatura de Rachel de Queiroz. A obra mostra a agonia de quem quer lutar e não pode. É ver gado emagrecer e roça não segurar para saber que a melhor decisão é se retirar. Essa migração como destino possível se aproxima da própria vida de Rachel, cuja família foi obrigada a deixar a terra em 1917, rumo ao Rio de Janeiro.
Com a linguagem simples do sertanejo, “O Quinze” expõe a tumultuada relação dos primos Conceição e Vicente e a saga da família de Chico Bento na viagem de Quixadá a Fortaleza. Ao final, a esperança de um futuro melhor leva a família de Chico Bento a São Paulo, não sem antes sofrer de fome e viver a tristeza de passar pelo Campo de Concentração do Alagadiço, que aglomerava retirantes sem garantir-lhes o mínimo ao mesmo tempo que escondia a miséria dos habitantes da Capital.
Rachel dá visibilidade à realidade do povo nordestino, que ainda hoje guarda vestígios de descaso e opressão. A principal medida de então para evitar o êxodo rural é a construção de açudes e barragens, que reúne a população nas chamadas “frentes de trabalho”, nas quais o ex-vaqueiro Chico Bento vai parar na tentativa desesperada de dar de comer à família. A obra transmite a ideia do incômodo da migração nordestina.
O sofrimento da família de Chico Bento é o de todas as famílias de retirantes que encontram no deslocamento a única saída para a situação de penúria em que vivem. A dor por deixar parentes evidencia a força dos personagens, mesmo em momentos de extremo sofrimento. A hostilidade da seca é mostrada em contraste com os fortes laços de afeto ao sertão, que provocam saudade nos que partem porque quem deixa a terra, o faz com o pensamento no retorno.
Não a toa, “Não me deixes” - fazenda herdada por Rachel de Queiroz, em Quixadá - simboliza o desejo do seu tio-avô, de não ver a família deixar a terra por causa da seca. Mesmo morando no Rio de Janeiro, pelo menos uma vez por ano, enquanto viveu, Rachel passava uma boa temporada na fazenda, sempre no “Bê-erre-o bró”, como enfatiza Manoel Dias Tavares, de 71 anos, morador de “Não me deixes” desde 1954, quando foi construída. Irmã mais nova e herdeira de Rachel, Maria Luiza, a Izinha, ainda mantém essa tradição, aos 88 anos, e nos fala sobre isso, por telefone, de sua casa, no Rio de Janeiro, sem esconder a ansiedade pela próxima visita. “‘Não me deixes’ é a minha casa do coração, é onde eu me sinto bem, tanto faz se está seco ou chovendo”. Seu sentimento em relação à Seca do Quinze? “Irritação! Passaram cem anos e as condições dos sertanejos são as mesmas. Só não tem mais os retirantes”.
Mas o mundo mudou nestes cem anos. O pequeno produtor rural que permanece em sua terra não deixa de ter antena parabólica, TV, telefone celular, acesso à Internet. O cavalo foi substituído pela moto e quase já não é necessário percorrer quilômetros com uma lata d’água na cabeça. A cisterna está lá, não só para as necessidades básicas, mas para a pequena produção que garanta comida no prato.
O Bolsa Família e aposentadoria rural, também. Algumas paisagens, porém, continuam as mesmas, como o chão rachado e a Caatinga que perde as folhas. Uma coisa é fato: as memórias das secas insistem no pensamento do sertanejo, que valoriza o que tem e nunca perde a esperança. É o que nos traz essa trilogia, que começa hoje e vai até a próxima sexta-feira
Maristela Crispim
Editora
Com a linguagem simples do sertanejo, “O Quinze” expõe a tumultuada relação dos primos Conceição e Vicente e a saga da família de Chico Bento na viagem de Quixadá a Fortaleza. Ao final, a esperança de um futuro melhor leva a família de Chico Bento a São Paulo, não sem antes sofrer de fome e viver a tristeza de passar pelo Campo de Concentração do Alagadiço, que aglomerava retirantes sem garantir-lhes o mínimo ao mesmo tempo que escondia a miséria dos habitantes da Capital.
Rachel dá visibilidade à realidade do povo nordestino, que ainda hoje guarda vestígios de descaso e opressão. A principal medida de então para evitar o êxodo rural é a construção de açudes e barragens, que reúne a população nas chamadas “frentes de trabalho”, nas quais o ex-vaqueiro Chico Bento vai parar na tentativa desesperada de dar de comer à família. A obra transmite a ideia do incômodo da migração nordestina.
O sofrimento da família de Chico Bento é o de todas as famílias de retirantes que encontram no deslocamento a única saída para a situação de penúria em que vivem. A dor por deixar parentes evidencia a força dos personagens, mesmo em momentos de extremo sofrimento. A hostilidade da seca é mostrada em contraste com os fortes laços de afeto ao sertão, que provocam saudade nos que partem porque quem deixa a terra, o faz com o pensamento no retorno.
Não a toa, “Não me deixes” - fazenda herdada por Rachel de Queiroz, em Quixadá - simboliza o desejo do seu tio-avô, de não ver a família deixar a terra por causa da seca. Mesmo morando no Rio de Janeiro, pelo menos uma vez por ano, enquanto viveu, Rachel passava uma boa temporada na fazenda, sempre no “Bê-erre-o bró”, como enfatiza Manoel Dias Tavares, de 71 anos, morador de “Não me deixes” desde 1954, quando foi construída. Irmã mais nova e herdeira de Rachel, Maria Luiza, a Izinha, ainda mantém essa tradição, aos 88 anos, e nos fala sobre isso, por telefone, de sua casa, no Rio de Janeiro, sem esconder a ansiedade pela próxima visita. “‘Não me deixes’ é a minha casa do coração, é onde eu me sinto bem, tanto faz se está seco ou chovendo”. Seu sentimento em relação à Seca do Quinze? “Irritação! Passaram cem anos e as condições dos sertanejos são as mesmas. Só não tem mais os retirantes”.
Mas o mundo mudou nestes cem anos. O pequeno produtor rural que permanece em sua terra não deixa de ter antena parabólica, TV, telefone celular, acesso à Internet. O cavalo foi substituído pela moto e quase já não é necessário percorrer quilômetros com uma lata d’água na cabeça. A cisterna está lá, não só para as necessidades básicas, mas para a pequena produção que garanta comida no prato.
O Bolsa Família e aposentadoria rural, também. Algumas paisagens, porém, continuam as mesmas, como o chão rachado e a Caatinga que perde as folhas. Uma coisa é fato: as memórias das secas insistem no pensamento do sertanejo, que valoriza o que tem e nunca perde a esperança. É o que nos traz essa trilogia, que começa hoje e vai até a próxima sexta-feira
Maristela Crispim
Editora
Ao se identificar seu comentário terá mais relevância.
EmoticonEmoticon